sexta-feira, agosto 18, 2006

Down Zêzere


Um bom desafio está sempre ao virar de cada curva… do rio. Neste caso a ideia foi mesmo descer a totalidade de um famoso rio (dos poucos) inteiramente Português: o Rio Zêzere. Ou seja, da nascente até à foz, neste caso o rio Tejo. A estimativa apontava para 300 km e o desafio estava em fazê-lo de BTT, o mais próximo possível da água, em 3 dias. Os aliciantes eram, entre outros, atravessar zonas tão apelativas como a Serra da Estrela (onde nasce), a Cova da Beira, o pinhal interior e as barragens do cabril, bouçã e castelo do bode. A cereja no topo do bolo eram as 5 Aldeias do Xisto que ligaríamos Barroca, Janeiro de Cima, Janeiro de Baixo, Álvaro e Pedrógão Pequeno.

Aproveitando a “ponte” do meio de agosto zarpámos do Covão d’Ametade, no topo do vale glaciar de Manteigas e apesar de ser já tarde (11 h) daquele dia tórrido de 12 Agosto, a brisa provocada pelo Downhill vertiginoso deu-nos alento suficiente para não desesperar com os kms que tinhamos pela frente. Connosco apenas 2 GPS e um PDA com mapas digitalizados e uma pequena mochila com uns chinelos, calções, água e pouco mais. Não havia carro de apoio. Após alguns caminhos fechados da praxe que nem o google nos tinha deixado perceber, lá chegámos à bucha num café de estrada em Belmonte. A meio da tarde o percurso rolante da Cova da Beira deu-nos margem para o primeiro mergulho no rio. Passada a Covilhã ao largo e com a ajuda do corredor aberto pela linha de comboio afunilámos no vale do rio, cada vez mais marcado lá pelos lados do Barco.

Passados dois dias aquilo ardeu tudo... Esta zona do rio é fantástica, talvez a mais bonita de todo o percurso, com o caminho a seguir por uma estreita faixa de campos agrícolas encaixados no vale. Passamos nas escombreiras das Minas da Panasqueira, no Cabeço do Peão, onde nascerá brevemente o Parque Temático Mineiro, e acabamos o dia num espectacular single track de 4 km que nos levou até à Barroca, utilizado antigamente pelos mineiros para virem trabalhar. São 20h30 e o nosso programa social é intenso, pelo que após breve duche apanhamos boleia das meninas I&M para o encerramento da Semana cultural das Terras do Xisto. Antes de deitar ainda somos brindados pelos Ferro&Fogo nas grandiosas festas da Barroca, esses clássicos que agradecem ao público presente lembrando que tinham ali estado a tocar há 27 anos!

O segundo dia começa com um falso alarme de despertar às 5h30...1 hora depois pomo-nos a pé e iniciamos um percurso ribeirinho que passaria os dois Janeiros (de Cima e de Baixo) e a primeira garganta do rio, sitio incluido no recentemente criado Geo Parque da UNESCO. O rio brinda-nos aqui durante vários kms com cores surreais que afinal não significam se não que estamos na presença da provável maior ETAR do País...resultante da poluição de dezenas de anos de lixiviados das minas. E pensar nos milhares de pessoas que bebem água deste rio em Lisboa... (está prevista a despoluição desta zona no projecto do Parque). Chegamos a Álvaro já com algumas subidas parte pernas feitas e depois de passar por uma surpreendente ponte romana perdida num dos vales laterais e de uma aldeia recentemente abandonada ainda com luz e telefone. Álvaro está alcantilada num pequeno esporão que domina uma curva do rio e quando chegamos a hora tardia despachamos rapidamente varias latas de qualquer liquido fresco. A santa da dona Lurdes do café faz-nos uns ovos com chouriço que parecem o melhor pitéu do mundo e estamos prontos a aviar. Tempo ainda para um olá ao Rafael que está no seu posto habitual mirando o Zêzere à conversa com os amigos locais, razão suficiente para termos mais umas dicas de trilhos melhores que qualquer GPS. Daqui começa um belo calvário de vales profundos que nos leva a terminar a etapa em alcatrão abençoado, mas as paisagens enquanto andamos nos topos são estonteantes. Pedrogão Pequeno aparece logo após o promontório da Sra.da Confiança, coisa que já não abundava aquela hora (18h30) que apesar de não ser tardia já pesavam as pernas. Infelizmente o Sr.Simões do restaurante não serve jantares ao domingo mas da residencial Vitoria já não saímos, mesmo que tivéssemos planeado ir domir à Foz de Alge. Mais uma boleia cravada e jantamos na praia fluvial do Mosteiro, um bucho recheado e uns secretos de porco preto e pomos a conversa em dia com os amigos do Casal de S.Simão.

Mais uma madrugada e seguimos pela fresca rumo ao sul. O objectivo de chegar a constância neste dia leva-nos a fazer mais opções de alcatrão, sempre seguindo pela margem direita, após rolar por cima da barragem do Cabril, mirando a ponte filipina lá em baixo (dá para lá passar a pedalar mas é um buraco fundo...). Não prescindimos no entanto do caminho que segue em marginal desde Vale Formoso até à Foz de Alge, onde passamos pelo novo parque de campismo. A marginal é agora de alcatrão e eis que quando este vira para o interior no limite do concelho de Figueiró saímos para uma empinada rampa que nos aponta Dornes. O que sobe também desce e de tal maneira que os travões de disco falham. Como dizia o Paulo isto até soa a elogio porque sem ser ali só tinham falhado nos himalaias... Em Dornes esperam-nos os peixinhos fritos do rio, piteu acompanhado de migas à maneira. Recompostos seguimos sem demoras que queremos ir longe, mas não resistimos a uma banhoca na albufeira do Castelo de Bode. Os kms finais após cruzar a barragem são muiiito rolantes e acabamos a sprintar batendo no rio Tejo às 17h30.


Não chegamos aos 300 kms mas cumprimos o objectivo. Percebemos que é uma travessia muito exigente e que pode ser mais apurada com mais algumas opções de terra. Mas acima de tudo que atravessamos um territorio rico em pontos de interesse natural paisagistico e gastronomico. Tem potencial para se tornar um verdadeiro desafio clássico para um BTTista de resistência. O troço intermédio virá a ser parte da futura Grande Rota das Aldeias do Xisto em constituição, também ela um desafio interessante quando estiver terminada. Ficam as sugestões... e como diz o outro Paulo: treinem que isso passa!

Por Pedro Pedrosa com Paulo Mourão e Paulo Alípio
(tracks GPS disponiveis a quem pedir)


Etapa 1 - Covao - Barroca 107 km ; A andar – 6h 33 ; Média 16.4 ; Asc total 1246 m ; Parado 2h 54 ; Média geral 11.4
Etapa 2 - Barroca - Pedrogao Pequeno 75 km; A andar – 6h 41; média 11.2 ; Asc total 2116 m ; Parado 4h 40; média geral 6.5
Etapa 3 - Pedrogao Pequeno – Constancia 98 km ; A andar – 6h 10; média 15.8 ; Asc total 1763 m ; Parado 3h 24; média geral 10.2
Total Down Zezere 280 km; A andar – 19h 24; média 14.1 ; Asc total 5125 m ; Parado 10h 58; média geral 9.1
Dormidas – Casa Grande da Barroca (Pinus Verde) ; Residencial Vitoria em Pedrogão Pequeno (sr.Simões)

1 Comments:

  • Mais uma grande aventura, à imagem do que até aqui tem vindo a ser realizado por vós.

    Caro Pedro se possivel agradeço que me envies as tracks para cicloaventura@gmail.com.

    Boas aventuras

    Nuno Lopes / cicloaventura.blogs.sapo.pt

    By Anonymous Anónimo, at 4:52 da tarde  

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quinta-feira, agosto 17, 2006

Especial viagens na Courier Int

Para os amantes das viagens vale a pena comprarem o ultimo numero especial de (d)escritores de viagem da Courier Internacional (11-17 agosto). Bruce Chatwin e familia aparecem por a lá... e já agora o anterior tinha um artigo sobre a mesmissima viagem que o nuno anda a fazer na Panamericana.

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terça-feira, agosto 01, 2006

A Viagem

Hoje vou fazer pela primeira (e talvez única) um post algo sentimental, neste blog de viagens, que também são da nossa mente. O Nuno começa a pedalar finalmente numa Viagem de uma Vida, neste dia 1 de agosto de 2006, de polo a polo, por terra. Uma entre muitas. Todos nós temos as nossas. Cada um à sua medida. Uns com os filhos, outros com o trabalho, com a família, com os seus projectos de vida. O Nuno tinha esta prometida, uma daquelas com que adormecemos muitas noites no pensamento, de que falamos com quem partilha o gosto pelo mesmo tipo de viagens até perder a voz ou ser vencido pelo sono. Partilhei algumas dessas conversas com ele, nos sitios mais diversos. Também é a minha Viagem. Talvez a fizessemos juntos um dia. As nossas linhas não se cruzaram hoje. O que nos move a cada um de nós só a nós diz respeito, mas não há duvida que precisamos de ter muita força e determinação. Encontramo-la lá no fundo, é mais forte do que nós. Não tenho duvida que chegará até ao fim, mesmo que esse final não seja fisicamente coincidente com o que no início pensamos ou prevemos que é. A vida dá muitas voltas e o objectivo da Viagem esgota-se no atingir a plenitude de todas as nossas vontades, forças e descobertas e no encontrar do Caminho, esse que nos leva até aquele sitio que procuraramos incessantemente. É e será assim até ao fim da nossa vida. Por isso a todos os que pensam que esta Viagem é uma loucura, risco, insanidade, aventura, parem para pensar uns minutos (como eu) e vejam se não é isto que fazemos todos os dias à nossa escala. Só muda o lugar, a companhia, o contexto, o objectivo e o Caminho. Só espero que todos consigamos procurar a nossa Ushuaia e tenhamos força, como ele tem, para procurar o caminho para ela.
A minha homenagem a um Homem determinado.
PPP

himalaias (2001)

lendo um dos autores que me ensinou a conhecer:
"To understand the heart and mind of a person, look not at what he has already achieved, but at what he aspires to do."-kahlil gibran, profeta americano-libanês

2 Comments:

  • Pedro,
    eu já sabia que que as tuas capacidades eram de uma abrangência para além do comum dos mortais, mas fiquei surpreendido pela abertura de espírito estampado no texto que escreves-te.
    No fundo todos nós (os mais próximos) e os que de facto se preocupam contigo, sabem que existe em ti esta tua faceta de poeta sincero e apaixonado.
    Obrigado por teres partilhado com todos o que te vai na alma......
    Deves fazer isso mais vezes.

    Boa sorte pata o Nuno na sua aventura.

    Tó e Sofia

    By Anonymous Anónimo, at 11:55 da manhã  

  • Uma aventura e peras!

    Muito embora, não conheça pessoalmente o Nuno, partilho a sua sede de aventura e de se pôr á prova.

    Um abraço solidário por esse mundo fora,

    Nuno Neves

    By Anonymous Anónimo, at 10:27 da tarde  

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